sexta-feira, 28 de junho de 2019

A retrospectiva

Os próximos textos deste blog irão inaugurar uma série de crônicas onde farei o possível para descrever minhas primeiras memórias. Não só as lembranças e sensações boas e agradáveis que tem sido o combustível dos textos e das canções que sempre escrevi. O foco dessa série estará nas situações desagradáveis, traumáticas, tristes e completamente dignas de serem "esquecíveis". Porém, que foram tão inevitavelmente marcantes, que acabaram por ficarem todas tatuadas em mim. E que, apesar de meu esforço para que sempre fossem tratadas apenas como um amontoado de lembranças banais - sempre tentei manter cada uma delas bem guardada em sua própria caixa, num espaço empoeirado e esquecido dentro de minha memória - viveram se repetindo em minha mente, minha alma e em minha história, como numa involuntária e insana  maratona de filmes, que apenas eu poderia assistir e que, ao mesmo tempo, nunca teria o direito de poder de parar - mas que, mesmo enquanto eram evitadas, acabavam por definir cada uma de minhas escolhas e suas próprias consequências.
Foi intrigante e perturbador poder perceber que nossa própria negação nos oprime, enquanto nos define. Anos após ano.
Essa série também acaba se tornando uma oportunidade de poder fazer um relato fiel da região onde cresci e de onde sobrevivi. Um retrato do Jardim Ângela/Capão Redondo e suas imediações em plena década de noventa. Período em que em que nossa quebrada chegou a ostentar o infame título de bairro mais perigoso do planeta. Época em que cadáveres frescos pelas ruas e becos do bairro eram os únicos eventos capazes de atrair tantas pessoas, que se poderiam comparar com o que hoje chamamos de reuniões comunitárias.
Não será uma jornada necessariamente agradável, principalmente para mim. Mas acredito que será libertador poder abandonar de vez a ânsia de aceitação que tem definido a minha escrita desde sempre e, talvez, poder descobrir uma maneira realmente eficiente expressar, de me comunicar comigo e com o mundo.
Espero que possam tirar algum proveito dessa jornada.

"Para Ísis e por Ísis. Se tudo isso acabou por desaguar em tua existência e em seu sorriso, não haveria jamais o que me impedisse de viver as mesmas histórias novamente; de novo e de novo, por toda a eternidade...Só para poder chegar até a parte em que surgiu você. Pois o seu sorriso é meu Big Bang."

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Antes tarde...

Aprendi enquanto duvidava,
convivi com tudo que evitava.
Só hoje eu entendo e admito que errei
Quando sonhei com uma liberdade
Se não tangível, ao menos possível de se conquistar. Pois, no fundo, ninguém dá realmente a mínima. Apenas tentam parecer se preocupar.
Buscamos a legitimidade de nossos segredos mais sombrios em outrem. Para que possamos queimar tudo em praça pública. Só assim poderemos manter em nosso íntimo tudo aquilo que, apesar de ser nosso, precisamos mostrar que combatemos. Adoramos aceitação e admiração.
Hoje sei, que quase não dá mais pra sonhar
Pois aqui, tudo se pode comprar
Aqui sorrisos estão a venda.
E confesso, às vezes eu não reconheço mais
aquela vida, sem intriga, mesmo à toa
Mas tudo bem, tenho assimilado numa boa
Pois nem eu mesmo já me convenço mais
Se nem eu mesmo me reconheço mais.
Ou talvez, sim. Vislumbrar, se frustrar e aceitar a tragédia humana que nos tornamos, pode acabar tendo sido, no fim de tudo, a única previsão útil que tenha surgido de mim.

sábado, 22 de junho de 2019

A verdade, o tempo e o ventilador

É interessante a ideia de manter este blog mesmo após achar que a sacada de criar um blog em que eu pudesse jogar toda a merda no ventilador contando não só a minha história, mas um pouco da realidade de quem também viveu o combo capão redondo/Jardim Ângela nos anos 90, fosse uma novidade. Confesso que me surpreendeu o fato de, acidentalmente revisitar sentimentos adormecidos em uma página em que despejei tanta coisa que queira e que acreditava. Apesar de hoje eu ter a convicção de que tudo foi feito, de certa forma, para agradar alguém ou para um grupo de pessoas específico, mesmo que de que coração aberto à época, hoje entendo que nunca foi um ponto de vista realmente pessoal.
O mais engraçado e trágico é perceber que, para poder jogar a merda no ventilador, tenho de estar cheio de merda nas mãos. E, de fato é o que acontece, mesmo que seja difícil aceitar, nossa geração acabou entrando, acredito eu, numa estatística. Fomos e somos arrogantes, omissos submissos e, consequentemente, hipócritas. Todos somos parte de uma geração condicionada a desviar a responsabilidade de nossos atos por mera conveniência, e eu fico fascinado(depois do longo período em que me senti surpreso/contrariado/revoltado/desesperançado com essa ideia) com a capacidade de ter tantos conhecidos que foram contemporâneos à mim, que acabam se encaixando no contexto da armadilha em que nossa geração caiu e, consequentemente, na realidade em que chegamos como sociedade, como cidadãos. Foi assim que acabei horrorizado por entender no que eu mesmo me tornei.
.. O jeitinho brasileiro, que sempre foi traduzido em habilidades futebolísticas, receptividade, alegria e tranquilidade, tem se mostrado cada vez mais um pano de fundo para um povo cruel, sádico e hipocrita, uma incoerência moral que hoje envolveu nosso dia a dia, principalmente das populações periféricas, nossa forma de pensar, nosso senso de justiça e nossos pontos de vista. Somos, como um povo passivo/agressivo, possivelmente a nação mais contraditória do mundo.
Posso sugerir que somos uma geração de "paus nos cus por natureza". Ou, de hipócritas por criação.
A ideia de que nossa sociedade é capaz de agir de forma tão medieval não deveria ser uma surpresa, já que somos um povo historicamente marcado com a extrema necessidade de(parecer)ser agradável quando se precisa soar agradável, não importa o preço dessa cordialidade.
Retornei a este blog para descrever a tragédia que todo o romantismo e esperanças da época em que ele foi criado, foram transformados em cinzas de incredulidade e de frustrações.
Hoje entendo que estamos todos num looping em que as castas estão cada vez mais bem definidas, um periodo em que os próprios oprimidos se fiscalizam, se denunciam e, como uma nova espécie guarda de capitães do mato, se oprimem. Tudo muito sincronizado, espontâneo, legítimo. Agindo automaticamente, como numa bela máquina cheia de sincronismo.
De agora em diante, buscarei ser o mais fiel possível a toda a realidade que vivi / vivemos, e tentarei fazer um relato mais real possível, de meu ponto de vista de ontem, para poder eu mesmo ter um paralelo real do que sou hoje.
Sem devaneios, sem romantismo barato e carente por atenção, sem a necessidade de agradar ninguém.
Sejam bem vindos e, aos que se incomodarem com as referências, nada pessoal... 😊